orange gradient

As Mulheres do Reassentamento

Por que o gênero é importante no reassentamento?

No estado de Minas Gerais, três mulheres altamente experientes passam grande parte de seu tempo garantindo que o gênero seja sempre uma prioridade no trabalho. Todas elas desempenham um papel fundamental no processo de reassentamento que está ocorrendo após o rompimento da barragem da Samarco no Brasil.

 

Fernanda Lavarello é contratada da BHP na equipe social de reassentamento da Fundação Renova; Patricia Lois gerencia todos os aspectos do projeto de reassentamento; e Larissa Pedroso é uma arquiteta que coordena uma equipe que trabalha com as famílias individualmente para projetar suas novas casas. O reassentamento é mais do que apenas um trabalho para todas as três, e seu compromisso em garantir que as mulheres sejam ouvidas e empoderadas durante o projeto é evidente.

 

Ser forçado a se reassentar é incrivelmente difícil para qualquer um e, ainda assim, algumas pessoas podem ser mais desfavorecidas do que outras. Atenção especial deve ser dada às pessoas vulneráveis para atender às suas necessidades, evitar mais impactos adversos e ajudá-las a restaurar suas vidas.

 

Mulheres e meninas, que geralmente têm responsabilidades domésticas primárias e modos de vida derivados da subsistência local, passam grande parte do tempo dentro e ao redor de suas casas. A perda de suas casas e a interrupção da vida cotidiana e das conexões sociais podem ser particularmente devastadoras para elas.

 

A Fundação Renova conta com pessoal capacitado e com forte presença feminina. Mesmo assim, uma recente análise especializada do projeto destacou que a Renova poderia fazer mais no que diz respeito a gênero. Verificou-se que, embora algumas mulheres afetadas tenham participado e até desempenhado papéis-chave de liderança no processo, o envolvimento poderia ser melhor.

 

Fernanda concorda: “O equilíbrio de gênero é um desafio, pois os líderes comunitários na área normalmente são homens. A Renova está fortalecendo sua abordagem sensível ao gênero para garantir uma maior consideração das vozes das mulheres”. Da mesma forma, embora Larissa e sua equipe compreendam plenamente a importância das mulheres como agentes transformadores, elas também precisam estar constantemente conscientes da sociedade patriarcal em que operam. “Nosso objetivo é criar um ambiente seguro e acolhedor para promover a igualdade de gênero”, ela diz.

 

Patricia enfrenta outros desafios de gênero. Sua equipe, com mais de 600 pessoas, é dominada por trabalhadores da construção civil, dos quais apenas 10% são mulheres. Ela acredita que as mulheres são excelentes engenheiras devido às suas fortes habilidades pessoais, complementadas por sua capacidade de planejar e realizar múltiplas tarefas – e Patricia é um modelo exemplar.

 

Todas estas três mulheres são incrivelmente importantes para o projeto de reassentamento, que é muito mais do que uma construção de moradias. É a compreensão delas do gênero como parte do processo social que ajudará a produzir resultados sustentáveis e equitativos para homens, mulheres e jovens, muito depois de as casas terem sido construídas.

 

Samarco

 

Fernanda Lavarello

 

Fernanda Lavarello, da BHP Brasil, trabalha na Fundação Renova em tempo integral no Programa de Reassentamento desde setembro de 2017. Suas qualificações em psicologia e gerenciamento de projetos e experiência substantiva na gestão de programas sociais no Brasil e na África (Moçambique e Angola) a posicionaram bem para esse cargo. No entanto, ela diz: “É a primeira vez que trabalhei em um ambiente tão controverso e com uma comunidade diretamente impactada por um desastre”.

 

Fernanda tem trabalhado ao lado de mais de 200 famílias impactadas, suas organizações de assistência técnica, Promotores de Justiça, governo local e autoridades por meio de um processo participativo. Até o momento, as principais realizações incluem a construção de um conjunto de princípios para orientar o reassentamento, a seleção participativa de novos locais para as comunidades, o desenvolvimento de planos urbanos e o projeto arquitetônico das novas casas.

 

Fernanda gosta do fato de que cada dia apresenta novos desafios que proporcionam infinitas oportunidades de aprendizado. O objetivo de reconstruir comunidades com sucesso e restaurar modos de vida não é fácil de ser alcançado e o ambiente operacional complexo pode ser pesado. Apesar das dificuldades, Fernanda diz que é grata pela oportunidade de contribuir com a vida das pessoas e se satisfaz com o feedback positivo dos membros da comunidade.

 

Como mulher, Fernanda presta muita atenção em como o processo de reassentamento afeta o gênero. Ela diz: “É crucial ouvir as diferentes opiniões de homens e mulheres durante o processo de reassentamento. O equilíbrio de gênero é um desafio, pois os líderes comunitários na área normalmente são homens. A Renova está fortalecendo sua abordagem sensível ao gênero para garantir uma maior consideração das vozes das mulheres”.

 

A esperança de Fernanda para as comunidades é que elas permaneçam resilientes e não desistam do processo participativo, que consigam se adaptar às suas vidas nos novos lares e que seus modos de vida sejam restaurados de forma sustentável.

 

Para premiar e reconhecer a contribuição pessoal de Fernanda para o processo de reassentamento, ela foi convidada a participar do programa HSEC Awards, da área de Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Comunidade da BHP, em Melbourne, em fevereiro.

 

Samarco

 

Patricia Lois

 

Patricia Lois assume uma responsabilidade pesada atualmente. Ela é uma mulher incrivelmente forte, mas precisa ser, porque seu papel na Fundação Renova é gerenciar cerca de 600 pessoas (funcionários e contratados) para entregar o programa de reassentamento. Sua equipe está construindo as três novas comunidades que abrigam 240, 140 e 40 residências, além de outras 55 famílias que têm que receber novas casas, juntamente com toda a infraestrutura e serviços associados.

 

No entanto, isso não é apenas um desenvolvimento habitacional comum. É um projeto integrado que, além das equipes de planejamento, engenharia, construção e licenciamento, inclui também a equipe de participação social. Desta extensa mão de obra, apenas 10% são mulheres.

 

Mas, como engenheira, o desequilíbrio de gênero não é novidade para Patricia. Ela está convencida de que as mulheres são boas engenheiras, porque normalmente têm uma grande combinação de habilidades - planejamento e multitarefa, curiosidade, uma sensibilidade natural intuitiva e empatia. Apesar disso, Patrícia afirma que precisa constantemente lembrar a si mesma que merece respeito. Ela não permite que o fato de ser mulher torne-se uma desvantagem e diz que define grandes expectativas para si mesma, além de ser exigente também com os funcionários.

 

A paixão e o compromisso de Patricia com o projeto são inegáveis. Apesar da tristeza associada ao desastre, ela expressa gratidão por ter sido escolhida para essa missão. Está em sua profissão há 30 anos e passou por muitos momentos difíceis ao longo de sua vida, e encontra motivação na magnitude desse cargo.

 

Ela gosta de trabalhar em parceria com uma equipe motivada. Patrícia diz que o gerenciamento de desempenho de cada indivíduo é fundamental para garantir que os obstáculos sejam superados, que os objetivos do projeto sejam alcançados e que os aprendizados sejam transformados em oportunidades. Também acredita firmemente na importância do diálogo aberto para fortalecer a atividade de suas equipes de trabalho intersetoriais.

 

Quando questionada sobre como administra toda a pressão desse cargo, ela responde dizendo que constantemente pratica se colocar no lugar dos outros e acha o autoconhecimento e a autoavaliação extremamente importantes. Essas ferramentas a ajudam a guiar suas emoções e superar as frustrações inevitáveis.

 

Para equilibrar o sacrifício que faz de deixar a família e o conforto de sua casa em Nova Lima durante a semana, mantém seu próprio bem-estar buscando o aprimoramento espiritual e prioriza o tempo para a vida familiar e social.

 

Samarco

 

Larissa Pedroso

Larissa Pedroso tem o importante papel de coordenar, junto com sua colega Daniele Alves, a equipe do Projeto Conceitual, um grupo de 18 arquitetas e quatro arquitetos que trabalham diretamente com famílias para desenvolver os desenhos e planos das casas no reassentamento de Bento Rodrigues.

 

Larissa diz que este projeto é muito diferente dos anteriores em que trabalhou: “O contexto único, o tamanho do reassentamento e a interface com muitos atores diferentes tornam o trabalho muito mais complexo. A urgência de reassentar famílias também é significativa”.

 

“O maior desafio é estabelecer o processo mais participativo possível no tempo máximo disponível. A participação de diversos atores, como a Fundação Renova, famílias, governos e assessores técnicos, legitima o processo. No entanto, quanto mais tempo demorar para as famílias serem reassentadas, mais doloroso será para elas, o que resulta em um processo menos ideal.”

 

O perfil das pessoas impactadas varia muito: jovens, idosos, famílias apenas de mulheres ou homens, pessoas com ensino superior ou pouca educação formal. Então, o processo precisa ser adaptável e flexível. Uma variedade de ferramentas é utilizada para entender os desejos das pessoas e ajudá-las a visualizar suas casas, quintais, lojas e outros. Os próprios arquitetos precisam prestar atenção especial aos aspectos humanos de seu trabalho para ganhar confiança. Eles devem respeitar as escolhas das pessoas e não impor sua visão e cultura.

 

“Entendemos o papel importante das mulheres como agentes transformadores, mas todos os dias enfrentamos a questão do patriarcado que está sempre presente em nossa sociedade. Nosso objetivo é criar um ambiente seguro e acolhedor para discussão, para que possamos nos unir na promoção da igualdade de gênero”.

 

Apesar dos muitos desafios, Larissa diz que o aspecto social torna o trabalho compensador e que sente que é um privilégio fazer parte dele. Ela diz que se esforça para não esquecer o verdadeiro significado e propósito do trabalho e acredita que a oportunidade de entregar o que é melhor para as famílias é altamente motivador. Larissa diz que o momento de maior satisfação é quando as famílias visitam pela primeira vez seu novo lote de terra.

 

E o que as pessoas impactadas querem para o futuro? Larissa diz que elas desejam ter a tranquilidade de suas vidas de volta. Querem estar em seus novos lares o mais rápido possível, para sentir que pertencem ao lugar onde moram.